sexta-feira, 9 de julho de 2010

Crônica

Por: Alfredina Nery
Especial para a Página 3 - Pedagogia e Comunicação
Assim como a fábula e o enigma, a crônica é um gênero narrativo. Como diz a origem da palavra (Cronos é o deus grego do tempo), narra fatos históricos em ordem cronológica, ou trata de temas da atualidade. Mas não é só isso. Lendo esse texto, você conhecerá as principais características da crônica, técnicas de sua redação e terá exemplos.
Uma das mais famosas crônicas da história da literatura luso-brasileira corresponde à definição de crônica como "narração histórica". É a "Carta de Achamento do Brasil", de Pero Vaz de Caminha", na qual são narrados ao rei português, D. Manuel, o descobrimento do Brasil e como foram os primeiros dias que os marinheiros portugueses passaram aqui. Mas trataremos, sobretudo, da crônica como gênero que comenta assuntos do dia a dia. Para começar, uma crônica sobre a crônica, de Machado de Assis:
O nascimento da crônica
“Há um meio certo de começar a crônica por uma trivialidade. É dizer: Que calor! Que desenfreado calor! Diz-se isto, agitando as pontas do lenço, bufando como um touro, ou simplesmente sacudindo a sobrecasaca. Resvala-se do calor aos fenômenos atmosféricos, fazem-se algumas conjeturas acerca do sol e da lua, outras sobre a febre amarela, manda-se um suspiro a Petrópolis, e la glace est rompue está começada a crônica. (...)
(Machado de Assis. "Crônicas Escolhidas". São Paulo: Editora Ática, 1994)
Publicada em jornal ou revista onde é publicada, destina-se à leitura diária ou semanal e trata de acontecimentos cotidianos.
A crônica se diferencia no jornal por não buscar exatidão da informação. Diferente da notícia, que procura relatar os fatos que acontecem, a crônica os analisa, dá-lhes um colorido emocional, mostrando aos olhos do leitor uma situação comum, vista por outro ângulo, singular.
O leitor pressuposto da crônica é urbano e, em princípio, um leitor de jornal ou de revista. A preocupação com esse leitor é que faz com que, dentre os assuntos tratados, o cronista dê maior atenção aos problemas do modo de vida urbano, do mundo contemporâneo, dos pequenos acontecimentos do dia a dia comuns nas grandes cidades.
Jornalismo e literatura
É assim que podemos dizer que a crônica é uma mistura de jornalismo e literatura. De um recebe a observação atenta da realidade cotidiana e do outro, a construção da linguagem, o jogo verbal. Algumas crônicas são editadas em livro, para garantir sua durabilidade no tempo.
Leia a seguir uma crônica de um dos maiores cronistas brasileiros:
Recado ao Senhor 903
“Vizinho,Quem fala aqui é o homem do 1003. Recebi outro dia, consternado, a visita do zelador, que me mostrou a carta em que o senhor reclamava contra o barulho em meu apartamento. Recebi depois a sua própria visita pessoal – devia ser meia-noite – e a sua veemente reclamação verbal. Devo dizer que estou desolado com tudo isso, e lhe dou inteira razão. O regulamento do prédio é explícito e, se não o fosse, o senhor ainda teria ao seu lado a Lei e a Polícia. Quem trabalha o dia inteiro tem direito a repouso noturno e é impossível repousar no 903 quando há vozes, passos e músicas no 1003. Ou melhor; é impossível ao 903 dormir quando o 1003 se agita; pois como não sei o seu nome nem o senhor sabe o meu, ficamos reduzidos a ser dois números, dois números empilhados entre dezenas de outros. Eu, 1003, me limito a Leste pelo 1005, a Oeste pelo 1001, ao Sul pelo Oceano Atlântico, ao Norte pelo 1004, ao alto pelo 1103 e embaixo pelo 903 – que é o senhor. Todos esses números são comportados e silenciosos: apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua. Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será convidado a se retirar às 21h45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois as 8h15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará ate o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305. Nossa vida, vizinho, está toda numerada: e reconheço que ela só pode ser tolerável quando um número não incomoda outro número, mas o respeita, ficando dentro dos limites de seus algarismos. Peço-lhe desculpas – e prometo silêncio.
[...] Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: ‘Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou’. E o outro respondesse: ‘Entra vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela’.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.”
(Rubem Braga. "Para gostar de ler". São Paulo: Ática, 1991)
Fato corriqueiro...
Há na crônica uma série de eventos aparentemente banais, que ganham outra "dimensão" graças ao olhar subjetivo do autor. O leitor acompanha o acontecimento, como uma testemunha guiada pelo olhar do cronista que tem a pretensão de registrar de maneira pessoal o acontecimento. O autor dá a um fato corriqueiro uma perspectiva, que o transforma em fato singular e único.
No caso da crônica "Recado ao Senhor 903", há uma crítica à desumanização na cidade grande, na qual somos, muitas vezes, apenas números e não pessoas. O surpreendente é a inversão proposta pelo narrador ao final da crônica: no lugar da intolerância, tão comum nas cidades grandes, ele propõe um possível acolhimento amigo.
Outro aspecto é que as personagens das crônicas não têm descrição psicológica profunda, pois, são caracterizadas por uma ou duas características centrais, suficientes para compor traços genéricos, com os quais uma pessoa comum pode se identificar. Em geral, as personagens não têm nomes: é a moça, o menino, a velha, o senador, a mulher, a dona de casa. Ou têm nomes comuns: dona Nena, seu Chiquinho, etc...
Análise da linguagem
1) Intenção e linguagem
O narrador-personagem da crônica (ou remetente da carta ao vizinho) reconhece que faz barulho e por isto pede desculpas. Veja, assim, as palavras e afirmações que usou para construir essa ideia: "consternado", "desolado", "lhe dou inteira razão", "O regulamento do prédio é explícito", "Quem trabalha o dia inteiro tem direito ao repouso", "Peço desculpas", "Prometo silêncio".
No entanto, através de ironias, o narrador reconhece sua falta, mas explicita que não concorda com a situação, uma vez que a aborda também de outro ângulo, problematizando as relações entre as pessoas e não simplesmente aceitando a situação como algo imutável. E faz isso, especialmente, quando:
•ironiza a estruturas dos prédios em que as pessoas ficam empilhadas, perdendo o contato humano;
•refere-se a todos os vizinhos, incluindo ele próprio, pelo número do apartamento e não pelo nome;
•critica o isolamento e a distância entre as pessoas cujas vidas estão limitadas pelas normas que cerceiam o convívio humano;
•sonha com outra relação mais humana e fraterna, entre as pessoas.
2) Ironia e humor
a) Veja como o narrador usa uma fina ironia quando fala de si mesmo e dos motivos das reclamações do vizinho:
"Todos esses números são comportados e silenciosos: apenas eu e o Oceano Atlântico fazemos algum ruído e funcionamos fora dos horários civis; nós dois apenas nos agitamos e bramimos ao sabor da maré, dos ventos e da lua." Verifique ainda como o uso do elemento "apenas", usado duas vezes intensifica a sua exclusão em relação aos demais moradores do prédio.
b) O excesso de referência a números acaba por criar um efeito de humor e crítica social:
"Prometo sinceramente adotar, depois das 22 horas, de hoje em diante, um comportamento de manso lago azul. Prometo. Quem vier à minha casa (perdão: ao meu número) será convidado a se retirar às 21h 45, e explicarei: o 903 precisa repousar das 22 às 7 pois as 8h 15 deve deixar o 783 para tomar o 109 que o levará ate o 527 de outra rua, onde ele trabalha na sala 305."
Enfim, o efeito de humor tem a ver com:
•o contraste entre uma situação e outra: os que mantêm silêncio e pessoas, como o narrador, que não o fazem;
•o inesperado: o texto parece se encaminhar para um sentido e bruscamente aponta para outro.
3)Uso de verbo
Quando o narrador quer sonhar com uma outra situação em relação, não só à sua vizinhança, mas também à vida na cidade grande, veja que ele constrói essa ideia usando verbos no pretérito imperfeito do subjuntivo, o que indica possibilidade/desejo/hipótese:
"Mas que me seja permitido sonhar com outra vida e outro mundo, em que um homem batesse à porta do outro e dissesse: 'Vizinho, são três horas da manhã e ouvi música em tua casa. Aqui estou'. E o outro respondesse: 'Entra vizinho e come do meu pão e bebe do meu vinho. Aqui estamos todos a bailar e a cantar, pois descobrimos que a vida é curta e a lua é bela'.
E o homem trouxesse sua mulher, e os dois ficassem entre os amigos e amigas do vizinho entoando canções para agradecer a Deus o brilho das estrelas e o murmúrio da brisa nas árvores, e o dom da vida, e a amizade entre os humanos, e o amor e a paz.

Interpretação de texto

Interpretar um texto não é simplesmente saber o que se passa na cabeça do autor quando ele escreve seu texto. É, antes, inferir. Se eu disser: “Levei minha filha caçula ao parque.”, pode-se inferir que tenho mais de uma filha. Ou seja, inferir é retirar informações implícitas e explícitas do texto. E será com essas informações que o candidato irá resolver as questões de interpretação na prova.

Há de se tomar cuidado, entretanto, com o que chamamos de “conhecimento de mundo”, que nada mais é do que aquilo que todos carregamos conosco, fruto do que aprendemos na escola, com os amigos, vendo televisão, enfim, vivendo. Isso porque muitas vezes uma questão leva o candidato a responder não o que está no texto, mas exatamente aquilo em que ele acredita.

Vamos a um exemplo.

É mundialmente reconhecida a qualidade do champanhe francês. Imaginemos, então, que em um texto o autor trate do assunto “bebidas finas” e escreva que na região de Champagne, na França, é produzido um champanhe muito conhecido. Mais tarde, em uma questão, a banca pergunta qual foi a abordagem do texto em relação ao tema e coloca, em uma das alternativas, que o autor afirma que o melhor champanhe vendido no mundo é o da região de Champagne, na França. Se você for um candidato afoito, vai marcar essa alternativa como correta, certo?, sem parar para pensar que o autor não havia feito tal afirmação e que, na verdade, o que ele assegurou foi que há um champanhe que é muito conhecido e que é produzido na França. O fato de possivelmente ser o melhor do mundo é uma informação que você adquiriu em jornais, revistas etc. Entendeu a diferença?

Propositadamente, a banca utiliza trechos inteiros idênticos ao texto só para confundir o candidato, e ao final, coloca uma afirmação falsa. Cuidado com isso!

Contudo, não basta retirar informações de um texto para responder corretamente as questões. É necessário saber de onde tirá-las. Para tanto, temos que ter conhecimento da estrutura textual e por quais processos se passa um texto até seu formato final de dissertação, narração ou descrição.

Como o tipo mais cobrado em provas de concurso é a dissertação, vamos entender como ela se estrutura e em que ela se baseia.

Quando dissertamos, diz-se que estamos argumentando. Mas argumentando o quê? A respeito de quê?

Para formular os argumentos, antes necessitamos de uma tese, algo que vamos afirmar e defender, a respeito de um determinado assunto.

Então, por exemplo, se o assunto é “Aquecimento global” é imperativo apresentar uma tese baseada nele. Pode-se escrever “O aquecimento global tem sido motivo de preocupação por parte dos cientistas”, ou “A população deve preocupar-se com o superaquecimento do planeta” etc. O importante é que na tese esteja claro aquilo que deverá ser sustentado por meio de argumentos.

O próximo passo é estabelecer quais argumentos poderão ser utilizados para tornar a afirmação feita na tese cada vez mais sólida.

Apresentados os argumentos, basta concluir a dissertação.

Tudo o que aqui foi exposto é apenas ilustrativo para que se tenha idéia de como um texto é estruturado e, a partir daí, estudar o texto apresentado e procurar no lugar certo a resposta para cada questão.

Vejamos:

Normalmente, a tese é explicitada na primeira frase do primeiro parágrafo, coincidindo com o que chamamos de “tópico frasal”, aquela sentença que usamos para chamar a atenção em um texto e apresentá-lo de forma clara. Mas ela pode aparecer também na última frase do primeiro parágrafo.

Disso decorre que sempre que precisar encontrar a tese do texto para responder a questões sobre o que o autor pensa, por exemplo, deve-se procurá-la no primeiro parágrafo.

Todavia, se a banca quiser saber em que o autor se fundamentou para fazer tal afirmação, basta procurar a resposta nos parágrafos em que forem apresentados os argumentos.

Por exemplo, na última prova do MPU, cargo Analista Processual, da banca Fundação Carlos Chagas, foi perguntado aos candidatos o que revelava a argumentação do autor. Dentre as alternativas apresentadas, bastava saber qual era fundamentalmente um argumento utilizado pelo autor e o que ele demonstrava.

É, portanto, muito importante conhecer a estrutura de um texto para saber trabalhá-lo de forma a fazer com que ele seja um aliado na conquista de um cargo público.

Por: Rachel Costa

A origem da Língua Portuguesa FORMAÇÃO HISTÓRICA DA LÍNGUA PORTUGUESA

I. ORIGEM DA LÍNGUA PORTUGUESA A língua portuguesa está intimamente relacionada com os acontecimentos históricos que se sucederam na Península Ibérica.
Pouco se sabe acerca dos povos que teriam habitado o solo peninsular antes da chegada dos romanos (séc. III a. C.). De entre esses faz-se referência aos iberos, aos celtas, aos fenícios, aos gregos e aos cartagineses.
A Península Hispânica fora habitada, em tempos muito remotos, pelos Iberos, povo agrícola e pacífico. Por volta do século VI antes de Cristo, este território fora invadido pelos Celtas, um povo turbulento e guerreiro. E a prolongada permanência provocou o cruzamento entre estes dois povos, dando origem à denominação de Celtiberos.
Depois, os Fenícios, os Gregos e os Cartagineses estabeleceram colónias comerciais em vários pontos da Península.
Como estes últimos pretendiam apoderar-se de todo o solo peninsular, os Celtiberos pediram socorro aos Romanos.
ROMANIZAÇÃO DA PENÍNSULA IBÉRICA
É assim que os Romanos invadem a Península, no século III antes de Cristo, com o intuito de travar a expansão dos Cartagineses, dado que estes constituíam uma séria ameaça ao domínio do mundo mediterrâneo pretendido por Roma.
Vencidos os Cartagineses, os Romanos acabaram por dominar toda a Península, tanto no aspecto político-militar quanto no aspecto cultural, nomeadamente no que respeita à língua. A civilização latina foi-se impondo através da abertura de escolas, da construção de estradas e de templos, pela incrementação do comércio, pelo serviço de correio, etc. Consequentemente, a sua língua, o Latim tornou-se indispensável e obrigatório, suplantando os idiomas já existentes.
Mas como é fácil prever, o Latim dos soldados romanos não era o mesmo dos escritores. Era o Latim usado pelo povo, chamado Latim Vulgar.
Já o povo peninsular se encontrava totalmente romanizado, quando, no século V da era cristã, a Península voltara a ser invadida e assolada, desta vez pelo povos bárbaros germanos (alanos, suevos, vândalos, visigodos), gente essencialmente guerreira e de cultura inferior à alcançada ao longo do processo de romanização. Daí que os bárbaros, apesar de vencedores, acabassem por adoptar a civilização e a língua latinas. Mas isto não impediu a dissolução da unidade política do império, uma vez que os bárbaros, basedos no pressuposto de que a instrução fragilizava o espírito bélico dos soldados, decretaram o encerramento das escolas.
Se este facto motivou o enfraquecimento da nobreza romana, somar-se-lhe-ia entretanto um outro que a condenaria ao seu desaparecimento: as letras latinas, preservadas e cultivadas no silêncio dos mosteiros, viriam a ser proibidas por um cristianismo radical e exacerbadamente purificador, por as considerar contaminadas pelo espírito pagão.
TRANSFORMAÇÃO DO LATIM VULGAR EM DIALECTO
À queda e fragmentação do Império Romano sucede-se a supressão dos elementos unificadores do idioma. Isto é, o Latim Vulgar, já substancialmente modificado pela acção do substrato linguístico peninsular, perde progressivamente terreno e desenvolve-se diferentemente em cada região. Isto equivalerá a dizer que o Latim vulgar se dialectou, sobretudo devido à invasão bárbaro-germânica.
Chegados ao século VII, os árabes, vindos do Norte de África, invadiram a Península. Como a sua cultura era superior à que o povo peninsular possuía, eles tentaram impor a sua língua como oficial. Porém, os habitantes da Península, sentindo as enormes oposições de raça, de língua e de religião que os separavam do povo vencedor, não aceitaram a sua civilização e continuaram a falar o "romance" (o Latim Vulgar, contaminado por diversos substratos). No entanto, algumas povoações acabaram por receber directamente a influência dos árabes, formando uma espécie de comunidades mistas, denominadas "moçárabes", mas mantendo independência quanto ao culto religioso.
Por estas razões se compreende que o povo árabe, cultural e civilizacionalmente superior, não tenha tido, ao longo dos mais de sete séculos de ocupação peninsular (expulsos em 1492, por Fernando de Aragão e Isabel de Castela), uma forte influência no tocante à língua portuguesa. A maioria dos vocábulos que o nosso idioma absorveu desse povo caracaterizam-se pelo prefixo AL, que corresponde ao artigo definido árabe, como documentam os seguintes exemplos: álgebra, algibeira, álcool, alcatifa, alface, algarismo, alfazema, alcachofra, almofada, alfinete, algema, algodão, alqueire, etc.
II. O DESPERTAR DA EMANCIPAÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
O processo de expulsão do povo árabe da Península foi longo e penoso. Nos finais do século XI, sob a bandeira de D. Afonso VI, rei de Leão e Castela, muitos fidalgos acorreram em auxílio do monarca para libertar o reino da presença do infiel. Entre eles destaca-se D. Henrique, conde de Borgonha, que, pelos serviços à coroa e à causa cristã, recebera em casamento a filha do rei, D. Tareja, e, por dote, o governo do Condado Portucalense, um pequeno território situado na costa ocidental da Península, entre os rios Douro e Minho.
D. Afonso Henriques, filho do conde D. Henrique, continuou a luta contra os mouros, pretendendo transformar o reino de Leão e Castela num estado independente. De entre os inúmeros combates, ganhou particular importância a batalha de Ourique, em 1139, quer pela vitória alcançada sobre os árabes, quer também pelo facto de os soldados, antes de se iniciar o combate, terem aclamado D. Afonso Henriques de rei de Portugal. Mas só em 1143 seria reconhecida a independência do Condado Portucalense e D. Afonso Henriques proclamado rei. E daqui nasceria Portugal.
Nessa região, onde fora fundada a monarquia portuguesa, falava-se um dialecto denominado galaico-português, expressão linguística comum à Galiza e Portugal. Mas, à medida que Portugal alargava os seus domínios para Sul, ia absorvendo os falares (ou romances) que aí existiam e, consequentemente, ia-se diferenciando do galego, até se constituirem como línguas independentes: o galego acabou por ser absorvido pela unidade castelhana, e o português, continuando a sua evolução, tornar-se-ia a língua de uma nação.
III. FASES DE EVOLUÇÃO DA LÍNGUA PORTUGUESA
Segundo Leite de Vasconcelos, há a considerar na evolução da língua portuguesa três fases: pré-histórica, proto-histórica e histórica.
__ Fase Pré-Histórica: começa com as origens da língua e vai até ao século IX. Entre o século V e o século IX temos o que geralmente se denomina romance lusitânico. Ao longo deste período encontramos somente documentação em Latim Vulgar.
__ Fase Proto-histórica: estende-se do século IX ao século XIII. Nesta fase encontram-se já, nos documentos redigidos em Latim Bárbaro (o Latim dos notários e tabliães da Idade Média), palavras e expressões originárias dos romances locais, entre os quais aquele que dera origem ao Português. Donde se deduz que a língua já era falada, mas não escrita.
__ Fase Histórica: inicia-se no século XII e estende-se até aos nossos dias. Esta fase compreende dois períodos:
1. Período do Português Arcaico: vai do século XII ao século XV.
O primeiro texto inteiramente redigido em português data do século XII. Pensou-se durante muito tempo tratar-se da Cantiga da Guarvaya, também chamada "Cantiga da Ribeirinha", porque dedicada a D. Maria Paes Ribeiro, a «Ribeirinha», amante de D. Sancho I:
"No mundo non me sei parelha,
mentre me for' como me uay
ca ia moiro por uos e ay!
mha senhor branca e uermelha,
queredes que uos retraya
quando uos eu ui en saya!
Mao dia me leuantei,
que uos enton non ui fea!
E, mha senhor, des aquel di' ay!
me foi a mi muyn mal,
e uos, filha de don Paay
Moniz, e ben uus semelha
d' auer eu por uos guaruaya
pois eu, mha senhor, d' alfaya
nunca de uos ouue nem ei
ualia d' üa correa." (colocámos o ü por não dispormos de meios para grafar u com til.)
Cancioneiro da Ajuda
[VOCABULÁRIO: parelha = semelhante, igual; mentre = enquanto, entrementes; ca = pois, porque; moiro = morro; queredes = quereis; retraya = retrate, evoque; que uos enton non ui fea = que então vos vi linda (por litote); mi = mim; semelha = parece; guaruaya = manto escarlate próprio dos reis.]
Porém, o tempo veio provar que o autor desta composição, Paio Soares de Taveirós, se situa no segundo terço do século XIII e não no século XII, como Carolina Micaëlis havia suposto, ao considerar esta cantiga como escrita em 1189 ou 1198.
Para já, tudo parece indiciar que a a Notícia de Torto (antes de 1211?) e o Testamento de Afonso II (1214) serão os mais antigos documentos não literários escritos em Português. Quanto às composições de carácter literário, pensa-se que João Soares de Paiva, a quem se deve uma cantiga de maldizer, segundo López Aydillo datada de 1196, terá sido o primeiro poeta a escrever em idioma português.
A partir dessa altura, aparecem outros textos de poesia e, mais tarde, surgem os primeiros textos em prosa.
As poesias reunidas nos "Cancioneiros" e as "Crónicas" de Fernão Lopes, Gomes Eanes de Zurara e Rui de Pina são textos que documentam este período arcaico.
Em 1290, D. Dinis, o rei 'Trovador', torna obrigatório o uso da língua portuguesa e funda, em Coimbra, a primeira Universidade.
2. Período do Português Moderno: do século XVI até aos nossos dias.
Por influência dos humanistas do Renascimento, o século XV ficou marcado por um aperfeiçoamento e enriquecimento linguísticos. Ao mesmo tempo que se procurava, ao nível das artes e das Letras, imitar os modelos latinos, tentava-se igualmente aproximar a Língua Portuguesa da língua-mãe. Como a coroar esse processo, aparece, em 1572, a obra de Luís de Camões, «Os Lusíadas», marco histórico do nosso idioma e monumento literário e linguístico.
É neste mesmo século que surgem as primeiras tentativas de gramaticalização da língua. Fernão de Oliveira edita, em 1536, a primeira Gramática da língua portuguesa, intitulada «Gramatica da Lingoagem Portugueza». Em 1540, João de Barros escreve, com o mesmo título, a segunda gramática da língua portuguesa.
A partir do século XV, através da expansão marítima, os portugueses descobrem novas terras e a elas levam a sua língua, estendendo deste modo o espaço geográfico em que a Língua Portuguesa serve, com mais ou menos alterações relativamente à do povo que a divulgou, de língua de comunicação em várias nações do mundo.

Texto Descritivo

A descrição técnica é um tipo de descrição objectiva: ela recria o objecto usando uma linguagem científica, precisa. Esse tipo de texto é usado para descrever aparelhos, o seu funcionamento, as peças que os compõem, para descrever experiências, processos, etc.
Exemplo:
a) Folheto de propaganda de carro
Conforto interno - É impossível falar de conforto sem incluir o espaço interno. Os seus interiores são amplos, acomodando tranquilamente passageiros e bagagens. O Passat e o Passat Variant possuem direcção hidráulica e ar condicionado de elevada capacidade, proporcionando a climatização perfeita do ambiente.
Porta-malas - O compartimento de bagagens possui capacidade de 465 litros, que pode ser ampliada para até 1500 litros, com o encosto do banco traseiro rebaixado.
Tanque - O tanque de combustível é confeccionado em plástico reciclável e posicionado entre as rodas traseiras, para evitar a deformação em caso de colisão.
Textos descritivos literários
Na descrição literária predomina o aspecto subjectivo, com ênfase no conjunto de associações conotativas que podem ser exploradas a partir de descrições de pessoas; cenários, paisagens, espaço; ambientes; situações e coisas. Vale lembrar que textos descritivos também podem ocorrer tanto em prosa como em verso.
Descrição de pessoas
A descrição de personagem pode ser feita na primeira ou terceira pessoa. No primeiro caso, fica claro que o personagem faz parte da história; no segundo, a descrição é feita pelo narrador, que, ele próprio, pode fazer ou não parte da história.
Texto - Retrato de Mônica
Mónica é uma pessoa tão extraordinária que consegue simultaneamente: ser boa mãe de família, ser chiquíssima, ser dirigente da "Liga Internacional das Mulheres Inúteis", ajudar o marido nos negócios, fazer ginástica todas as manhãs, ser pontual, ter imensos amigos, dar muitos jantares, ir a muitos jantares, não fumar, não envelhecer, gostar de toda gente, toda gente gostar dela, coleccionar colheres do século XVII, jogar golfe, deitar-se tarde, levantar-se cedo, comer iogurte, fazer ioga, gostar de pintura abstracta, ser sócia de todas as sociedades musicais, estar sempre divertida, ser um belo exemplo de virtudes, ter muito sucesso e ser muito séria.
Tenho conhecido na vida muitas pessoas parecidas com a Mónica. Mas são só a sua caricatura. Esquecem-se sempre do ioga ou da pintura abstracta.
Por trás de tudo isto há um trabalho severo e sem tréguas e uma disciplina rigorosa e contente. Pode-se dizer que Mónica trabalha de sol a sol.
De facto, para conquistar todo o sucesso e todos os gloriosos bens que possui, Mónica teve de renunciar a três coisas: à poesia, ao amor e à santidade.
Texto - Calisto Elói
Calisto Elói, naquele tempo, orçava por quarenta e quatro anos. Não era desajeitado de sua pessoa. Tinha poucas carnes e compleição, como dizem, afidalgada. A sensível e dissimétrica saliência do abdómen devia-se ao uso destemperado da carne de porcos e outros alimentos intumescentes. Pés e mãos justificavam a raça que as gerações vieram adelgaçando de carnes. Tinha o nariz algum tanto estragado das invasões do rapé e torceduras do lenço de algodão vermelho. A dilatação das ventas e o escarlate das cartilagens não eram assim mesmo coisa de repulsão.
(Camilo Castelo Branco, A queda dum anjo)
Comentário sobre a descrição de pessoas
A descrição de pessoas pode ser feita a partir das características físicas, com predomínio da objectividade, ou das características psicológicas, com predomínio da subjectividade. Muitas vezes, o autor, propositadamente, faz uma caricatura do personagem, acentuando os seus traços físicos ou comportamentais.
Os personagens podem ser apresentados directamente, isto é, num determinado momento da história, e neste caso a narrativa é momentaneamente interrompida. Podem, por outro lado, ser apresentados indirectamente, por meio de dados, como comportamentos, traços físicos, opiniões, que vão sendo indicados passo a passo, ao longo da narrativa.
Texto - Trecho de "A Relíquia" (Eça de Queiroz)
"Estávamos sobre a pedra do Calvário.
Em torno, a capela que a abriga, resplandecia com um luxo sensual e pagão. No tecto azul-ferrete brilhavam sóis de prata, signos do Zodíaco, estrelas, asas de anjos, flores de púrpura; e, dentre este fausto sideral, pendiam de correntes de pérolas os velhos símbolos da fecundidade, os ovos de avestruz, ovos sacros de Astarté e Baco de ouro. [...] Globos espelhados, pousando sobre peanhas de ébano, reflectiam as jóias dos retábulos, a refulgência das paredes revestidas de jaspe, de nácar e de ágata. E no chão, no meio deste clarão, precioso de pedraria e luz, emergindo dentre as lajes de mármore branco, destacava um bocado de rocha bruta e brava, com uma fenda alargada e polida por longos séculos de beijos e afagos beatos."
Considerações Finais
Um enunciado descritivo, portanto, é um enunciado de ser. A descrição não é um objecto literário por princípio, embora esteja sempre presente nos textos de ficção, ela encontra-se nos dicionários, na publicidade, nos textos científicos.
Há autores que apresentam a definição como um tipo de texto descritivo. Para Othon M.Garcia (1973), "a definição é uma fórmula verbal através da qual se exprime a essência de uma coisa (ser, objecto, ideia)", enquanto "a descrição consiste na enumeração de caracteres próprios dos seres (animados e inanimados), coisas, cenários, ambientes e costumes sociais; de ruídos, odores, sabores e impressões tácteis." Enquanto a definição generaliza, a descrição individualiza, isto porque, quando definimos, estamos a tratar de classes, de espécies e, quando descrevemos, estamos a detalhar indivíduos de uma espécie.
Definições de futebol
Texto extraído de uma publicidade - encontramos aqui uma interessante definição do futebol, feita de uma maneira bastante diferente daquela que está nos dicionários.
Futebol é bola na rede. Festa. Grito de golo. Não só. Não mais. No Brasil de hoje, futebol é a reunião da família, a redenção da Pátria, a união dos povos. Futebol é saúde, amizade, solidariedade, saber vencer. Futebol é arte, cultura, educação. Futebol é balé, samba, capoeira. Futebol é fonte de riqueza. Futebol é competição leal. Esta é a profissão de fé da ***. Porque a *** tem o compromisso de estar ao lado do torcedor e do cidadão brasileiro. Sempre.
Enciclopédia e Dicionário Koogan/Houaiss
Desporto no qual 22 jogadores, divididos em dois conjuntos, se esforçam por fazer entrar uma bola de couro na baliza do conjunto contrário, sem intervenção das mãos. (As primeiras regras foram elaboradas em 1860).

A revolução do internetês

Vc jah viu exe tipo de texto? Pois eh, ixo eh o internetes... ou melhor, o internetês. Essa forma de expressão grafolingüística explodiu principalmente entre adolescentes que passam horas na frente do computador no Orkut, em chats, blogs e comunicadores instantâneos em busca de interação - e de forma dinâmica.
No Brasil, um batalhão de 15 milhões de usuários troca 500 milhões de mensagens por dia por meio do Messenger (MSN), o comunicador instantâneo da Microsoft.
- O brasileiro adere fácil à tecnologia; é um povo muito aberto à comunicação - explica Priscyla Alves, gerente de produtos, comunicação e marketing para Brasil e América do Sul da Microsoft.
O Ibope/NetRatings divulgou em janeiro que o internauta brasileiro continua sendo o campeão mundial da navegação, com uma média de 17 horas e 59 minutos, deixando para trás Estados Unidos, Japão e Austrália. Essa ansiedade do brasileiro por contato já foi alvo de estudo de Anne Kirah, uma antropóloga americana que vive em Paris e ajuda a Microsoft a desenvolver produtos.
Numa de suas pesquisas, Anne conviveu por semanas com famílias de adolescentes brasileiros. Chamou sua atenção a tendência de o interneteiro no Brasil ter, em geral, permissão para sair só uma vez por semana. A antropóloga concluiu que o nosso adolescente usuário do computador faz das ferramentas on-line uma extensão da vida social. Na frente do monitor, marca encontros, mantém viva a emoção do fim de semana e estreita laços com novos amigos.
A linguagem que pontua tal dinâmica social é o internetês. Integrados à tecnologia e com acesso fácil a computadores e conexões de banda larga (62% dos nossos internautas a usam), os jovens buscam respostas rápidas, proximidade com seus interlocutores e nutrem a expectativa de aproveitar cada momento de diversão. A ansiedade por contato teria estimulado, assim, o hábito de escrever mensagens e a busca de novas formas de expressão ligeira e funcional. No pacote, vieram a simplificação da linguagem e a farta eliminação de vogais.
Jargão on-line
Na ponta do teclado, o internetês dá nome a um conjunto de abreviações de sílabas e simplificações de palavras que leva em conta a pronúncia e a eliminação de acentos. De quebra, acrescenta uma leve dose de humor às mensagens on-line. Não o suficiente para evitar inúmeras críticas, como a de que os jovens têm sido induzidos a escrever mal e a de ser um frankenstein de linguagem, excludente e viciada.
Eduardo Martins, autor do Manual de Redação do jornal O Estado de S. Paulo, olha com reservas o fenômeno.
- O aprendizado da escrita depende da memória visual: muita gente escreve uma palavra quando quer lembrar sua grafia. Se bombardeados por diferentes grafias, muitos jovens ainda em formação tenderão à dúvida - alerta.
Formado pelo inglês dos softwares e manuais, por abreviações e símbolos (emoticons), o jargão empresta à escrita a liberdade da fala, com vocabulário e construções gramaticais próprios. Enquanto os textos tradicionais podem ser relidos, repensados, corrigidos, as mensagens em tempo real tendem ao mínimo de caracteres, são mais curtas e dadas com rapidez - o "falante" pode conversar com muita gente ao mesmo tempo. Daí as abreviações não serem etimológicas ("pneumático" vira "pneu", mas mantém o radical pneu = ar), e sim fonéticas ("aki" = "aqui").
A falta de acentos e pontuação viria do não-reconhecimento dos sinais por alguns servidores - a mensagem seria destruída ou convertida em símbolos ininteligíveis, não padronizados. Já a expressão das sensações dá lugar aos emoticons ou smileys, em que caracteres digitados fazem a analogia de uma emoção.
O internetês pode não representar uma ameaça ao idioma como no passado a grafia dos telégrafos ("vg" para vírgula) ou o caipirês de Chico Bento, personagem de Mauricio de Sousa, não o fizeram. Sírio Possenti, professor de lingüística da Unicamp, assegura que não existiria fator de risco.
- Uma coisa é a grafia; outra, a língua. Não há linguagem nova, só técnicas de abreviação no internetês. As soluções gráficas são até interessantes, pois a grafia cortada é a vogal. A palavra "cabeça", por exemplo, vira "kbça", e não "aea". A primeira forma contém os fonemas indispensáveis ao entendimento.
Desigualdade
Linguagem da comunicação on-line, o internetês rompeu os limites a que estava restrito, invadindo a TV (ver quadro na página ao lado) e até a escola. O uso constante de computadores influencia a relação dos alunos com a escola e, em particular, a língua. O estudante da 7a série Victor Santoro Fernandes, de 12 anos, considera mais fácil usar o português padrão quando escreve à mão, não quando digita ao computador.
- A letra q é a que mais escapa. Você já tem os vícios do direcionamento do teclado, mas tento ficar sempre alerta - afirma ele, que conta passar cinco horas por dia ao computador.
Para sua mãe, a dona de casa Magaly Santoro Fernandes, não há problemas em usar linguagens diferentes para comunicar- se, desde que isso não atrapalhe os estudos.
- Ele tira boas notas e sabe quando deve usar a linguagem com os amigos ou tem de usar a norma. Até eu já entendo um pouco quando ele escreve internetês.
A proliferação de um linguajar abreviado tem relação direta com o convívio social de um usuário. Num país em que a maioria da população não usa computador e 3 milhões dos 10 milhões de habitantes de São Paulo nem sabem o que é um caixa eletrônico, a familiaridade com o internetês é diretamente proporcional à inclusão digital. Carlos Eduardo dos Santos, de 13 anos, é aluno da 8ª série da escola estadual Fadlo Haidar, em São Paulo. É o único de uma sala de aula com 42 alunos que tem computador. Diz que, por isso, faz uso do internetês com parcimônia.
- Prefiro escrever do modo tradicional - explica o menino, que gosta do MSN e do Orkut, mas prefere os jogos on-line.
Na escola, nenhum professor de Carlos abordou o assunto nem nunca se ouviu alguém ser alertado sobre o uso do internetês.
Outros limites
Cientes de que a linguagem virou febre entre os jovens e parece refletir a desigualdade social, os professores de português levaram a discussão para suas aulas. Ano passado, uma escola particular paulistana, o colégio Humboldt, buscou entender a forma peculiar com que os alunos se comunicavam entre si, distinguindo o momento em que o uso pede grafia tradicional ou jargão.
Os professores organizaram um projeto de intercâmbio com uma escola municipal, a Heitor Penteado. Os alunos do Humboldt escreveram bilhetes, usando internetês, para os alunos do colégio público. Ao receberem os bilhetes, muitos não entenderam nada do que estava escrito.
- Os alunos da escola pública não tinham acesso a computador. Conseguimos mostrar aos nossos alunos que o internetês não é proibido, mas deve ser usado no meio adequado, que é a internet, e nunca na formal, em provas, tarefas escolares e trabalhos - explica Lucy Wenzel, coordenadora pedagógica do ensino fundamental do Humboldt.
As escolas devem ter política clara sobre o assunto para orientar os professores, defende Wenzel.
- Todos os professores devem estar atentos à linguagem adotada pelos alunos e, caso se perceba a confusão entre a grafia da língua portuguesa e o internetês, o professor deve chamar a atenção, alertar para o correto meio para usar essa forma mais informal - diz ela.
Quem não vê com bons olhos a avalanche de abreviações, letras trocadas e neologismos tenta impor barreiras ao uso internético da língua portuguesa. É o caso do Fórum PCS, um site que criou um filtro de palavras que corrige "erros" propositais. O site substitui automaticamente todas as abreviaturas feitas no fórum pelas palavras dicionarizadas e destaca o texto corrigido com uma cor ou em itálico.
Barreiras artificiais
O uso do internetês, no entanto, pode ser muito mais que cacoete de linguagem e expressar a falta de diálogo contemporânea entre o adulto e o adolescente. Essa é, por exemplo, a opinião de Marcelo Tas, apresentador do Saca-Rolha, no Canal 21, e um dos criadores do premiado Castelo Rá-Tim-Bum, da TV Cultura, e da Mesa de Etimologia do Estação da Luz da Nossa Língua.
- Tenho um verdadeiro laboratório em casa, que são três filhos em idades diversas. Penso que todo pai, em vez de temer o internetês, deveria temer a falta de comunicação e afeto com seus filhos. Tem muito pai que reclama de o filho ficar grudado ao computador, à TV ou ao videogame, mas não faz o menor esforço para oferecer nada de qualidade em troca. Qual pai oferece uma parte do dia, ou mesmo 15 minutos, de atenção exclusiva, de qualidade, a seus filhos? Esse é o ponto - avalia.
Na opinião de Tas, o "problema" do internetês é hoje superdimensionado. Ou mal enquadrado.
- É um fenômeno como a língua do pê, uma brincadeira com a língua e sua forma. Seria um excelente pretexto para os professores ganharem a atenção dos seus jovens alunos, usando os exemplos do internetês para discutir a língua propriamente dita.
Ataliba de Castilho, professor titular de língua portuguesa na USP, vai mais além e explica que o internetês é parte da metamorfose natural da língua.
- Com a internet, a linguagem segue o caminho dos fenômenos da mudança, como o que ocorreu com "você", que se tornou o pronome átono "cê". Agora, o interneteiro pode ajudar a reduzir os excessos da ortografia, e bem sabemos que são muitos. Por que o acento gráfico é tão importante assim para a escrita? Já tivemos no Brasil momentos até mais exacerbados por acentos e dispensamos muitos deles. Como toda palavra é contextualizada pelo falante, podemos dispensar ainda muitos outros. O interneteiro mostra um caminho, pois faz um casamento curioso entre oralidade e escrituralidade.
O internetês pode, no futuro, até tornar a comunicação mais eficiente. Ou evoluir para um jargão complexo, que, em vez de aproximar as pessoas em menor tempo, estimule o isolamento dos iniciados e a exclusão dos leigos. Para Castilho, no entanto, não será uma reforma ortográfica que fará a mudança de que precisamos na língua. Será a internet. O jeito eh tc e esperar pra ver?

Por Silvia Marconato

terça-feira, 6 de julho de 2010

Redação: O Poder do Verbo

A coordenadora de redação da Fuvest, o maior vestibular do país, fala sobre os bastidores da prova e ensina o bê-á-bá para fazer o texto perfeito
Todos os anos, a professora Maria Thereza Fraga Rocco tem uma tarefa de peso: preparar a prova de redação do vestibular mais concorrido e temido do Brasil - a Fuvest -, que faz a peneira dos candidatos que ingressarão na Universidade de São Paulo (USP). Mas o trabalho árduo começa mesmo quando os vestibulandos terminam a parte deles: é hora de ela supervisionar a correção de nada menos que 38 mil redações. Na entrevista a seguir, Maria Thereza - que coordena as áreas de português e redação da Fuvest - tira as principais dúvidas em relação à prova, dá dicas importantes para acertar no texto e adverte: "A redação só é um terror para quem não investe tempo em desenvolvê-la". Tomou nota?
Como é preparada a prova de redação da Fuvest?
A escolha do tema começa já em abril. No decorrer do ano cultivamos seis ou sete possibilidades de assunto, mas só fechamos mesmo em novembro. Não escolhemos nada que requeira conhecimento prévio e profundo do jovem. Pedimos temas que exijam que ele saiba refletir, julgar, analisar sob diversos ângulos, e nunca tópicos referentes às notícias recentes de jornal. Os estudantes ficam preocupados com a possibilidade de que caiam temas como a violência urbana, o aquecimento global, o gás natural na Bolívia. Não vai cair nada disso, já digo de cara!
E como é feita a correção?
Cada redação é escaneada e entregue a um par de corretores - professores treinados desde novembro -, que ficam em salas diferentes. Esses pares são sorteados todos os dias, e nenhum corretor sabe quem é seu par. São 72 professores, que ficam em duas salas enormes, uma distante da outra. Cada sala tem também dois coordenadores de correção, para ajudar no caso de dúvida em algum quesito. Há ainda a possibilidade de a prova passar por uma terceira correção. É feita uma média das notas dadas pelos dois corretores, mas as vemos separadamente no computador de controle. Se a diferença entre elas passar de 10 pontos, uma terceira pessoa é chamada para fazer outra avaliação.
O que pesa mais na hora de dar a nota?
Temos pontuações específicas para os três itens que a redação aborda: relação tema-texto, desenvolvimento e expressão. Por expressão refiro-me aos aspectos de concordância, regência, acentuação etc. Mas não ficamos atrás de erros se eles não trouxerem prejuízo ao entendimento. Aliás, essa parte é a que tem o menor valor. Dos três itens, o que pesa mais é a relação tema-texto. Em seguida vem o desenvolvimento da redação, a maneira como o candidato escreve sobre o assunto que delimitou. Verificamos se ele responde à questão que levantou, se a exemplifica, e assim por diante.
E no caso dos candidatos que não abordam o tema proposto?
É zero. Se eu peço ao candidato que fale de uma casa de alvenaria e ele me diz das folhas verdes que costumam existir nas florestas, a menos que ele seja um gênio e faça uma relação perfeita, está fora do tema. Nossas propostas são muito bem explicadas. Se o candidato não entende, o processo seletivo já começa ali.
Existe alguma forma de se preparar para a redação?
Existe: fazendo textos. Podem-se, por exemplo, produzir redações na escola ou em casa e discutir sobre elas com um professor ou um colega. As versões - que são os rascunhos - não podem ter aquele sentido antigo, de algo que se descarta no lixo. Aquela primeira versão é um anteprojeto do texto. E, à medida que ele for refeito, revisto e criticado, vai crescendo. Quem sabe escrever sabe escrever com a prática de desenvolver a escrita. A leitura é muito importante, mas a relação entre ler um texto e produzir outro não é automática.
O que o vestibulando deve ter em mente para escrever um bom texto?
A coerência, a coesão, o uso adequado de conectivos. Mas há um ponto muito importante: o conceito de autoria - quando se pode perceber que determinado texto foi de fato escrito por aquele candidato. Não nos interessa se a opinião é politicamente correta. As boas redações são aquelas que obedecem ao discurso dissertativo - que têm começo, meio e fim - e são fruto da independência do pensamento de cada um. Ficamos exaustos de ver a "camisa-de-força" enfiada nos jovens pela escola ou pelos cursos preparatórios.
Muitos alunos escrevem numa estrutura engessada de cinco ou seis parágrafos: começam com um "desde a Antiguidade"; no segundo parágrafo usam "por um lado"; no terceiro, "no entanto"; no quarto, "por outro lado"; no quinto, "é preciso, porém, considerar"; e, no sexto, "em resumo". Formalmente, a estrutura é corretinha. Mas o que se vê? Que os conectivos nada têm a ver com o restante do parágrafo.
Outra coisa que não se deve fazer: tentar mostrar erudição a qualquer custo. É comum vermos coisas do tipo: "como diz o grande poeta latino" ou "como escreveu Sócrates"... são chiques! Mas, ora, Sócrates não escreveu nada! O pior é que todo ano encontramos as mesmas citações. Sinal de que os alunos foram treinados para citar. O candidato deve citar, sim, mas com competência, sabendo o que está fazendo.
Você já encontrou redações de todo tipo. Quais foram as que mais a marcaram, para o bem e para o mal?
Há redações que arrepiam, a ponto de falar "meu deus, quando eu crescer quero ser igual a esse menino ou menina". Sempre que aparece uma redação linda, bem escrita, os coordenadores me chamam e eu vou correndo para ler. Um exemplo é o texto de uma moça que veio de Santa Catarina para prestar medicina. A redação dela era uma coisa! Foi no ano em que o tema era uma catraca instalada no centro de São Paulo como forma de manifestação artística: a moça queria tirar as catracas de sua mente, os momentos enferrujados que impediam a passagem de novas idéias. Era uma redação maravilhosa.
Em oposição, lembro de outra que começava assim: "Como estou feliz! Um lindo dia de sol neste 8 de janeiro em que vou fazer vestibular. É primavera". Oito de janeiro é verão. No hemisfério norte é inverno. Não há primavera no mundo nessa data! Ou seja...
Fonte: http://guiadoestudante.abril.com.br/redacao/materias_280334.shtml

20 dicas para escrever um bom texto

1. Gênero
Leve sempre em conta o gênero do texto, isto é, o tipo de discurso que a situação de comunicação exige, por exemplo: crônica, carta, conto, biografia, poema, artigo, bilhete, diálogo, ensaio, verbete etc.

2. Público-leitor
Considere o público a quem se destina seu texto. (Jovem, adulto; autoridade, amigo etc)

3. Veículo
Tenha clareza a respeito de onde o texto será divulgado: jornal, revista, folheto de divulgação, mural da escola, internet etc.

4. Papel do autor
Deixe claro se o papel é o de participante ou observador em relação ao assunto ou acontecimento de que se trata. Defina claramente o tempo para, então ordenar cronologicamente os fatos. Caso contrário, o texto pode apresentar problemas no uso dos tempos verbais, das pessoas gramaticais e dos discursos direto e indireto.

5. Coesão Textual
Procure construir o texto buscando uma organização global clara para que ele não fique mal amarrado, com as idéias desordenadas. O leitor tem que perceber claramente um começo, um meio e um fim e a seqüência temporal ou lógica dos fatos. Use conectivos e expressões que orientem o leitor, por exemplo: porém, portanto, depois disso, por outro lado, dessa forma, assim, é por isso que etc.

6. Paragrafação
Use um critério claro de paragrafação. O leitor deve perceber que os parágrafos marcam de fato uma mudança nos movimentos do texto, por exemplo: mudança na abordagem de uma questão, introdução de uma nova idéia, nova personagem, novo rumo do pensamento etc. Este item está relacionado ao anterior, pois a paragrafação deve contribuir para organizar e dar coesão ao texto.

7. Coesão Nominal
Deve ser possível ao leitor perceber sobre quem ou sobre o que você está falando quando usa um pronome (ele, nós ou este, aquilo, isso, tudo etc.) ou um substantivo para retomar uma informação que apareceu antes no texto.

8. Verossimilhança e Coerência
O texto tem que ter verossimilhança, isto é, o que se conta deve parecer real ou possível no mundo criado pelo autor. Procure evitar passagens sem explicação ou soltas, nas quis o leitor não entende bem o raciocínio desenvolvido ou o que aconteceu. Elimine detalhes que não se encaixam, são incoerentes, não têm lógica.

9. Escolha de palavras
Escolha as palavras e expressões com cuidado e precisão. Não opte pela palavra que fica apenas próxima da ideal. Evite vocabulário pobre e a repetição excessiva da mesma expressão.Não use gírias nem palavras ou expressões pouco típicas da linguagem escrita, quando a intenção não é retratar a linguagem oral. Escolha expressões adequadas ao gênero, público-leitor ou veículo.

10. Condensação
Evite que o texto fique muito condensado ou excessivamente resumido. Reescreva os trechos que progrediram muito rapidamente. Detalhe bem as idéias, explique mais lentamente, expanda os conteúdos, avance mais devagar, acrescentando comentários, dados, observações, descrições etc.

11. Detalhamento
Evite que o texto fique muito longo ou excessivamente detalhado. Reescreva os trechos que progrediram muito lentamente. Procure não se perder em detalhes sem importância, divagar, fugir do assunto ou perder o fio do raciocínio. Elimine observações e detalhes que não tenham uma função clara no texto.

12. Estruturação sintática
Reescreva orações e períodos mal construídos, incompletos ou ambíguos. A ordem de aparecimento dos sintagmas deve facilitar a compreensão. Evite construções sintáticas estranhas.

13. Clichês
Procure não usar clichês ou idéias prontas, chavões, afirmações já gastas. Fuja da falta de originalidade e criatividade nas idéias ou na escolha de palavras e expressões. O texto não deve apresentar soluções óbvias, pouco interessantes, que não prendam a atenção do leitor.

14. Pontuação
Evite excesso ou falta de pontuação. A pontuação deve favorecer a compreensão, organizar as informações.

15. Concordância Nominal e Verbal
Respeite a concordância entre sujeitos e verbos e entre o substantivo regente e seus determinantes e modificadores.

16. Regência
Atenção quanto ao uso de proposições que regem verbos e nomes e quanto ao uso da crase.

17. Ortografia
Atenção à ortografia e à aplicação das regras da acentuação.

18. Uso de Maiúscula e minúscula
Use adequadamente as letras maiúsculas para nomes próprios. A diferenciação gráfica entre maiúsculas e minúsculas deve ser clara.

19. Caligrafia
Evite problemas de caligrafia; eles podem comprometer a clareza do texto.

20. Organização e Capricho
Evite problemas relativos à apresentação do texto, que impedem a compreensão e comprometem a clareza do texto.
GARCIA, A.L.M. e AMOROSO, M.B.Olhe a Língua – Língua Portuguesa.6ª série. São Paulo, FTD, 1999.